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A ascensão do C-390: como o cargueiro militar se tornou uma grande cartada da Embraer

C-390, o “SUV” da fabricante de São José dos Campos. Foto: Embraer

“O Antonio está sorrindo numa apresentação da Defesa. Muito bom, Antonio”, disse Bosco Costa Júnior, CEO da Embraer Defesa & Segurança, a unidade de negócios que produz aviões militares, num evento recente. 

A piada interna era para o vice-presidente e CFO da empresa, Antônio Carlos Garcia. E o motivo da eventual falta de sorrisos em apresentações anteriores talvez tenha a ver com a pequena margem de contribuição da unidade de defesa para os lucros da Embraer. 

Mesmo sendo responsável por 11% do faturamento, a Defesa responde por apenas 3% do lucro. Trata-se de uma proporção mirrada ante a da aviação executiva, por exemplo, que gera 27% da receita e 40% do lucro.

Veja o quadro completo aqui embaixo. Ele considera os últimos 12 meses até junho, a última ocasião em que a Embraer divulgou as margens de contribuição de cada uma de suas unidades de negócio.  

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“A família está bem distribuída”, disse Antonio Carlos ao apresentar um slide com os dados acima, no mesmo evento – um investor day da Embraer na B3. “E a gente sabe que tem muito crescimento para vir na Defesa, certo Bosco?”

Certo, Antonio. Menos de três meses após o evento, veio o anúncio de que a Suécia se tornaria o sétimo país fora o Brasil a adotar a maior joia de engenharia da Embraer: o cargueiro militar C-390 Millennium. E esse pode ser só o começo de uma jornada promissora, com o potencial de catapultar o faturamento e o lucro da unidade de defesa.

Para entender melhor o potencial da aeronave, vale um contexto histórico.

Um novo game changer

Lá atrás, a Embraer reinventou o transporte aéreo regional. Foi com o ERJ145, de 1995: um pequeno jato de passageiros para 50 pessoas.

Veloz, econômico e com alcance de 3,7 mil km, ele criou um novo mercado, tomando o lugar de lentas e barulhentas aeronaves turboélices – e de jatos beberrões e de baixa autonomia.

O ERJ145 acabaria sucedido pelo mais moderno e espaçoso E175 no início dos anos 2000. E o E175 se tornaria o best seller da Embraer, com 943 aeronaves vendidas – para dar uma ideia do que isso significa: o icônico Boeing 747 vendeu 1,5 mil nos 55 anos em que esteve no mercado.

Embraer E175
E175: o best seller da Embraer, que não tem concorrentes diretos. Mesmo caso do C-390. Foto: Adobe Stock

A companhia de São José dos Campos viveu outros progressos ao longo do século 21. Na aviação executiva, seu Phenom 300 se tornou o jatinho bimotor mais vendido do mundo. Na comercial, as vendas da série E2, a geração mais recente de aviões de passageiros, pegaram tração após um início turbulento.

Mas ainda faltava algo que tivesse o impacto do ERJ145 e do E175, que fosse capaz de recriar todo um setor da aviação. O C-390 talvez seja esse trunfo.

LEIA MAIS: Ações da Embraer sobem quase tanto quanto as da Nvidia em 4 anos

Ele começou a ser projetado há quase 20 anos, com uma missão ambiciosa: substituir o cargueiro militar de médio porte mais bem sucedido da história: o C-130 Hercules, da americana Lockheed Martin.

O Hercules é quase onipresente no universo militar. integra as Forças Aéreas de 64 países – Brasil incluído. E existe meio que “desde sempre”. Seu voo inaugural aconteceu em 1954. 

O retrô Hercules C-130, da Lockheed: A Embraer criou o C-390 foi com o objetivo de ocupar o nicho desse avião, o dos cargueiros de médio porte, mas com uma aeronave a jato e com (muito) mais tecnologia embarcada. Foto: Getty Images

Dali em diante o Hercules ganhou várias atualizações, mas manteve sua essência retrô. Tal como o Electra (também da Lockheed), que fazia a ponte-aérea Rio SP na década de 1970, ele é de um avião a hélice de quatro motores.

E a Embraer viu aí uma oportunidade. Ela sabia que centenas de Hercules, de várias as Forças Aéreas ao redor do globo, chegariam logo aos 40, 50 anos – a idade em que os aviões se aposentam. 

Começou, então, a desenhar um cargueiro militar de porte semelhante ao Hercules. Só que, claro, numa versão século 21: a jato, em vez de hélice; e com toda a tecnologia embarcada que só um projeto novo pode trazer. Eram os primeiros esboços do C-390.

A Força Aérea Brasileira gostou da ideia e decidiu bancar o projeto. Comprometeu-se a substituir sua frota de Hercules por unidades do novo cargueiro depois que ele saísse do papel – o que aconteceu em 2015, quando vieram os primeiros voos de teste. O C-390 nascia com 36% mais capacidade de carga que o Hércules (26 ton.vs 19 ton.) e uma velocidade máxima 50% maior (988 km/h vs 660 km/h).

Enquanto isso, a unidade de Defesa da Embraer corria o mundo para vender o avião a forças aéreas de outros países. O primeiro a topar foi Portugal, com uma encomenda de cinco unidades. Depois veio a Hungria, com um pedido de duas. 

LEIA MAIS: Embraer: chegou a hora de um ‘tripólio’ com a Boeing e a Airbus? 

A FAB receberia seu primeiro C-390 em 2019. Até agora, chegaram sete. E outros 15 estão programados até 2034 – para quem é menos familiarizado: produzir aviões demanda toneladas de tempo. Portugal já recebeu dois. A Hungria, um. 

Antes, ele era chamado de KC-390. O “k” é de tanker; avião que reabastece caças em voo. Mas ele também funciona como um cargueiro comum, então a Embraer passou a chamar só de C-390. Instalado um kit para reabastecimento em voo, porém, ele se torna um “KC”. O Hercules não tem essa versatilidade. Ou o cliente compra um cargueiro (C) ou compra um tanker (KC). Foto: Embraer

Enquanto produzia os primeiros C-390 para os clientes originais, a Embraer caçava novos países compradores pelo mundo. Fechou com outros cinco: Holanda, Áustria, República Tcheca, Coreia do Sul e, mais recentemente, Suécia – nesse caso, o acordo envolveu o governo brasileiro, que se comprometeu, em troca, a comprar mais nove caças Gripen, em adição aos 36 da encomenda original, de 2014. 

Fato é que o mercado de aviação talvez não seja tão diferente do de restaurantes: ninguém entra em restaurante vazio, mas quando enche começa a rolar fila. “As vendas que nós fizemos abrem portas. São forças aéreas formadoras de opinião, e quem tem gerado curiosidade das demais”, resume Bosco da Costa, da UN de Defesa.

Neste momento, o C-390 tem mais de 40 unidades vendidas, contando os 10 que já foram entregues – não dá para saber o número exato de encomendas, porque os detalhes dos contratos com a Coreia do Sul e a Suécia não foram divulgados. 

O que não falta, de qualquer forma, é demanda potencial.

400 aviões

Contando os Hercules em operação pelo mundo – mais as alternativas soviéticas ao C-130 (como o Antonov AN-32) –, há pelo menos 400 cargueiros de médio porte chegando à aposentadoria em diversos países. “Estamos monitorando todos, e em conversas com vários deles”, disse Bosco, no evento da B3.

Durante a apresentação, Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer, dirigiu-se a Bosco. “Acho que você poderia comentar um pouco sobre Saudi [Arábia Saudita] e Índia. Somando os dois dá mais do que tudo o que já vendemos até agora.”

Dá mesmo. A Índia lançou uma concorrência internacional para a compra de 80 cargueiros. E a Arábia Saudita tem 40 aviões antigos que podem ser substituídos pelo C-390 quando pendurarem as asas. 

Concepção artística do C-390 estilizado com os símbolos da força aérea da Coreia do Sul. Ilustração: Embraer

Nos dois casos, Bosco informou, seria necessário terminar a fabricação das aeronaves dentro dos respectivos países, por conta das legislações locais. Ou seja: os cargueiros passariam por uma montagem inicial na planta de Gavião Peixoto (SP) e o restante ficaria a cargo de completion centers que a Embraer montaria na Índia e na Arábia Saudita.

Outro alvo, o mais óbvio de todos, são os Estados Unidos – que também têm uma legislação protecionista. Mas não seria um problema para o C-390. “Eles têm um grande conteúdo americano [peças, sistemas etc.]. Quando você soma o das nações aliadas, passa dos 70%. Isso faz com que o C-390 atenda os requisitos do ‘Buy America Act’”.  

Nem tudo é céu de brigadeiro, claro. A Nova Zelândia, por exemplo, preferiu trocar seus Hércules antigos pela versão mais nova do próprio avião da Lockheed, a C-130J-30. A aeronave da Embraer leva mais carga em menos tempo. Sem dúvida. Mas o Hercules tem mais autonomia com a “caçamba cheia”. Leva 19 toneladas por 4,4 mil km; o C-390, 26 toneladas por 2 mil km. O velho de guerra da Lockheed, então, não é uma aeronave obsoleta. Continua sendo um concorrente forte.

Mas o fato é que Embraer conseguiu, sim, produzir um desafiante capaz de destronar o Hercules. E se as ambições em torno do C-390 forem satisfeitas, a empresa vai dar um salto quântico em termos de receita, e de relevância no mercado global.

Não será a primeira vez. 

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