Mato Grosso promete alterar a dinâmica da venda de soja que vigora há quase 20 anos no Brasil. O principal Estado produtor de grãos deu sua cartada mais incisiva para acabar com a “Moratória da Soja” no país. A Moratória é um acordo comercial que existe desde julho de 2006, em que as maiores indústrias agrícolas do mundo se comprometem a não comprar soja de áreas desmatadas da Amazônia.
Em retaliação a esse acordo, o governador Mauro Mendes (União Brasil) sancionou nesta sexta-feira (25) a lei 12.709, que determina que as empresas que quiserem benefícios fiscais no Estado não poderão “estar organizadas em acordos comerciais que ocasionem restrição de mercado”. A medida passará a valer em janeiro de 2025.
Na prática, se a indústria instalada em Mato Grosso participar da Moratória da Soja, não terá acesso a um desconto em torno de 50% no ICMS para a venda de farelo e óleo de soja, além de não contar mais com incentivos para instalação de fábricas e compra de equipamentos.
A Moratória prevê que as empresas deixem de comprar soja ou ofereçam crédito a agricultores que desmataram áreas do bioma a partir de julho de 2008. Atualmente, cerca de 250 mil hectares – um hectare é igual a um campo de futebol – da região estariam em desacordo com o programa, e a maior parte disso (191 mil hectares) está em Mato Grosso.
ADM, Bunge, Cargill, Amaggi e Caramuru Alimentos, que hoje operam no Estado e fazem parte da Moratória, serão afetadas diretamente no bolso, caso permaneçam no acordo. As indústrias signatárias da Moratória representam mais de 90% das compras dos grãos produzidos no Estado.
As exportações de farelo e óleo, subprodutos da soja que contam com o benefício fiscal, somaram US$ 2,53 bilhões de janeiro a agosto deste ano, segundo levantamento mais recente da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt). A estimativa é que seriam retirados R$ 1,5 bilhão em isenções das empresas.
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Com uma cifra tão expressiva em jogo, a ideia, explica Mauro Mendes, é fazer com que as tradings “revejam suas posições”. “Espero que essas empresas respeitem a lei brasileira, e não se atenham a uma regra não prevista na legislação brasileira como forma de pressionar o mercado”, disse o governador. A alegação de Mendes é que existe uma lei federal sobre o tema, o Código Florestal, que já determina a ocupação de espaço no bioma Amazônia (explicaremos isso mais adiante).
Para o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, “os produtores têm o direito legítimo de usar o Código Florestal a seu favor”. “Se as empresas preferem fazer isso [a Moratória], elas não querem cumprir a lei. Se não querem cumprir a lei, não precisam ter incentivo fiscal”, disse Fávaro, ao participar de um evento em São Paulo nesta semana.
A iminente aprovação da lei em Mato Grosso atende a um pedido antigo dos produtores de soja. Há pelo menos cinco anos, os agricultores se mobilizam nas esferas federal e estadual para barrar a Moratória, com direito a uma reclamação direta ao então presidente Jair Bolsonaro. Atualmente, a maior pressão ocorre nas assembleias legislativas estaduais, com Rondônia tendo aprovado lei semelhante recentemente, enquanto Pará, Maranhão e Tocantins também estão com projetos similares em curso.
O consultor Thiago Rocha, que está apoiando a investida legislativa das Associações de Produtores de Soja (Aprosoja) desses estados, afirmou ao portal AgFeed que os projetos de lei não citam diretamente a extinção da Moratória da Soja, “apesar deste ser o objetivo”. A Aprosoja de Mato Grosso estima que a Moratória afeta mais de 65 municípios produtores do Estado e que, com isso, mais de R$ 35 bilhões deixaram de circular na economia estadual.
Do lado das multinacionais, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa formalmente o setor, ainda não se manifestou.
Já Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) diz que a Moratória da Soja foi o “único programa em curso que se revelou capaz de evitar o desflorestamento”. “Opor-se a esses 18 anos de luta nos parece um risco enorme, capaz de comprometer a imagem do país de grande provedor de alimentos para o mundo”, acrescentou Sérgio Mendes, presidente da Anec.
A Moratória da Soja
O cabo de guerra entre produtores rurais e indústrias é antigo e tem como pano de fundo a produção de soja na Amazônia. A Moratória da Soja surgiu em uma época em que o desmatamento no bioma amazônico estava em uma escalada recorde.
Com a pressão de compradores internacionais, em especial os da Europa, em cima do Brasil, as empresas exportadoras decidiram adotar a política de desmatamento zero: não comprar de agricultores que desmataram um milímetro sequer na Amazônia. O monitoramento é feito via satélite e atualizado ano após ano. A medida busca sufocar os sojicultores que desmatam na região tirando seus compradores e o acesso a crédito.
Mas, em maio de 2012, o governo federal atualizou o Código Florestal, a legislação que regula a ocupação de áreas no Brasil. Na lei, ficou determinado que todo agricultor do bioma Amazônia poderá desmatar 20% de sua área para a produção agrícola – em outros biomas, esse percentual é bem maior.
Voltando ao exemplo de hectares e campos de futebol. Se um agricultor possui uma fazenda com 100 campos de futebol na Amazônia, 20 deles poderão ter árvores derrubadas e uma lavoura de soja, ou qualquer outra atividade agropecuária que seja – esse é o chamado desmatamento legal.
Mas, como a Moratória da Soja impõe desmatamento zero, não é tolerado nem desmatamento legal e, muito menos, o desmatamento ilegal.
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Foi esse descasamento entre lei brasileira e acordo comercial que azedou a relação dos agricultores com as tradings agrícolas, que são aquelas indústrias que compram o grão para vender no mercado internacional.
Do lado dos produtores, há a sensação de serem penalizados mesmo seguindo a lei. Já, do lado dos compradores, a avaliação é que qualquer flexibilização na Moratória poderia passar uma mensagem errada ao mercado, especialmente em um momento em que a União Europeia busca restringir a importação de produtos vindos de áreas desmatadas.
Para tentar achar um meio-temo, a lei assinada pelo governador de Mato Grosso prevê que as empresas que adotarem “requisitos distintos dos previstos na legislação brasileira” para cumprir exigências internacionais não seriam “consideradas em desacordo com a legislação vigente”.
“Certamente, eles vão chegar a bom termo para não punir produtores que fizeram tudo dentro da legalidade”, completou o ministro Carlos Fávaro.