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Depois de 20 anos de carreira na ArcelorMittal, de trainee ao C-Level, Paula Harraca assume agora como CEO da Ânima Educação. A executiva argentina é a primeira mulher no cargo e também a primeira que não faz parte do grupo de sócios-fundadores da companhia. “Por onde eu passei, fui a primeira, mas garanti que não seria a última.”
Quando entrou na multinacional de aço em Rosário, sua cidade natal, era a única entre 500 homens. Também foi a primeira na diretoria, mas quando saiu já eram quatro. Na companhia, passou por seis países diferentes e diversas áreas, especialmente voltadas para gente e gestão. E estava a um passo de virar presidente quando decidiu sair. “Eu podia ser CEO, mas existia uma grande diferença entre a minha potência e essa cadeira numa empresa da indústria de base.”
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A executiva já ocupava desde 2019 um assento no conselho consultivo da Una, onde começou a história da Ânima em Belo Horizonte. Em maio de 2023, foi convidada pelos fundadores da empresa a participar do processo para se tornar CEO. E, no final do ano passado, passou a fazer parte do conselho de administração da Ânima para conhecer melhor a empresa. “Minha conexão com a educação é profunda. Minha mãe foi professora universitária 50 anos e posso dizer que a única e melhor herança que eu tive na minha vida foi a educação.”
Fundada há 21 anos, a Ânima tem hoje 18 instituições de ensino superior e mais de 700 polos educacionais por todo o Brasil. Foi liderada por Daniel Castanho, atual presidente do conselho, e, nos últimos seis anos, Marcelo Battistella Bueno atuou como CEO. Bueno ficará ao lado de Paula até o final deste ano para ajudar na transição.
Desde que deixou a companhia de aço e se abriu para novas oportunidades, Paula deu mais de 50 palestras, escreveu o livro “O poder transformador do ESG: como alinhar lucro e propósito” e recebeu convites de grandes empresas. “Tive oito propostas no último ano, quando saí da ArcelorMittal. Eu nunca tinha escutado uma proposta na minha vida.”
Aqui, a nova CEO da Ânima conta como tomou decisões importantes na carreira e descreve o processo para se tornar CEO de uma grande empresa.
Forbes: Como foi o processo para se tornar CEO da Ânima?
Paula Harraca: Eu entrei inicialmente no grupo Ânima em 2019, fiquei dois anos no conselho consultivo da Una, um dos centros universitários e onde começou a história da Ânima em Belo Horizonte. Entrei com a missão de conectar a Una com o mercado de trabalho, na época eu estava como executiva na ArcelorMittal.
No ano passado eu já estava numa transição de carreira, decidi encerrar um ciclo de 20 anos na ArcelorMittal, onde eu construí praticamente toda a minha trajetória profissional, desde trainee até o C-Level. E naquele momento eu comecei a me abrir para pensar profundamente o que que eu queria construir, em qual projeto eu iria decidir minha energia, minha potência e minha vocação.
Em maio do ano passado me encontrei com Daniel [Castanho] e Marcelo [Battistella Bueno] e eles me convidaram para participar do processo seletivo. Olhando para trás e para toda essa construção de um ano, eu não estava pronta do ponto de vista pessoal, ainda tinha desafios nessa transição, assim como a empresa. Mas a partir daí foi a hora certa, no lugar certo e com as pessoas certas.
O convite para participar do conselho da Ânima fez parte do processo?
No final do ano passado, eles me convidaram para sentar no conselho de administração para conhecer melhor a empresa e também para a empresa me conhecer. Porque de fato é uma escolha mútua: a Ânima está me escolhendo, mas eu escolhi a Ânima. Eu tive oito propostas no último ano, que foi o momento em que eu saí da ArcelorMittal e comecei a escutar propostas. Eu nunca tinha escutado uma proposta na minha vida. Eu fiquei 20 anos na empresa sem interesse de sair até passar por esse processo de revistar minha vida e me abrir a um novo momento. Durante o processo eu conversei com inúmeras pessoas. Foi muito legal e muito diferente dos processos que eu tive no início da minha carreira.
Qual a importância de ser a primeira CEO que não faz parte do grupo de sócios-fundadores?
Um processo sucessório dessa natureza leva tempo, meses, anos, que a companhia vem se estruturando e se preparando para isso. O dia que eu tive a primeira conversa com Daniel e com o Marcelo foi um dia bem importante para mim. Eu senti que era com eles que eu queria construir o segundo tempo do jogo da minha vida. O Marcelo assumiu há seis anos, depois do Daniel, com a missão de criar a cadeira de um CEO e caminhar para essa profissionalização e essa maturidade na governança sabendo que seria um passo importante para depois poder trazer um executivo ou uma executiva que não fosse do time dos fundadores.
Eu chego com a missão de estruturar uma agenda de crescimento e conduzir a empresa no futuro. O time vive o propósito e isso vem desde os sócios-fundadores até os colaboradores.
O que pesou na sua decisão de sair da ArcelorMittal?
A decisão de sair foi uma somatória de elementos. Durante a pandemia, eu fiz 40 anos, e já atingi uma qualidade de vida que a minha família nunca teve. Comecei a pensar o que mais eu queria construir. Porque a realização não é dinheiro, não é status, não é o cargo que me move. A gente sempre está, a gente não é o cargo. Existe um risco de se perder e ir para um lugar de ego. Então sempre coloquei o cargo como uma missão a serviço do time, da empresa.
Eu cheguei num momento em que eu já sabia onde eu podia chegar na empresa, eu podia ser CEO. Eu tive essa conversa, recusei dois convites de me tornar CEO de business units menores, inclusive da Argentina.
E aí os caminhos começaram a afunilar. Meu CEO chegou a perguntar se eu queria aquilo ou não. Comecei a questionar: será que não tem alguém melhor do que eu para isso?
Existia uma diferença muito grande entre a minha potência e a cadeira do CEO de uma empresa de indústria de base, que é muito técnica. Seria a primeira mulher da siderurgia, o convite mexeu, claro, mas não batia. Então eu agradeci, mas falei para o meu CEO que sabia onde podia chegar lá dentro, mas precisava saber onde poderia chegar aqui fora.
Como saber o momento de encerrar um ciclo na carreira?
Eu chamei um analista para perguntar se eu estava louca de sair de uma empresa onde estava há 20 anos e poderia virar CEO. Mas a minha potência não era mais para aquele contexto. Para entender isso, a gente precisa se conhecer, saber nossas limitações, mas também ter um olhar generoso de entender as nossas potências. São muitas cobranças e precisamos entender o que é importante para nós e do que precisamos abrir mão.
A partir desse momento, como foi a transição?
Saí de uma empresa onde fiquei 20 anos e ao mesmo tempo decidi me separar do meu marido, que eu conheci na ArcelorMittal. Foram duas grandes decisões corajosas e difíceis que eu tomei na minha vida e ciclos que eu decidi encerrar.
Eu confiei, entreguei para o destino, não fiquei ansiosa, deixei as coisas fluírem e estava aberta ao novo. No ano passado, eu dei 55 palestras remuneradas nas principais empresas do Brasil e escrevi um livro que se tornou best seller. Porque a gente precisa cultivar nossos talentos, muito mais do que procurar um cargo.
E isso acontece ao mesmo tempo em que eu sou mãe e estava passando por uma separação. A mulher se cobra muito, então um recado especial para as líderes é que a gente precisa se cuidar com a mesma intensidade que a gente se cobra. A gente não vai dar conta de tudo e vai precisar de ajuda.
Qual a importância do networking para a carreira, especialmente em períodos como esse que você passou?
Sou uma pessoa muito relacional, sempre fui. E acredito muito no poder dos vínculos. Os negócios não são B2B, B2C, são P2P [people to people] – é gente conversando com gente. É isso que faz o mundo rodar. Então por onde eu passei eu construí algumas redes, mas não foi intencional. Dentro da ArcelorMittal, eu entrei como trainee, fui a primeira mulher entre 500 homens, lá em Rosário. Cheguei na diretoria como a primeira mulher entre 10 engenheiros metalurgistas de 60 e poucos anos, e eu tinha 30 e poucos. Eu fui abrindo os caminhos e tudo isso se deu com a relação com as pessoas.
O convite do livro, por exemplo, a editora Planeta que me procurou para escrever depois que eles me escutaram dando uma palestra. Quando você faz algo genuíno, a vida te devolve e te coloca nos caminhos de conexões.
Você enxerga um movimento de mais profissionais de RH assumindo como CEOs e outras posições relevantes?
Observo esse movimento sim. Tradicionalmente, quem assumia uma cadeira de CEO era, em sua grande maioria, o CFO, o CMO ou alguém da operação. A emergência de profissionais da área de gente – porque eu não gosto de falar de Recursos Humanos, porque somos humanos, não somos recursos – faz sentido nessa era de inteligência artificial e rupturas tecnológicas. Enquanto as máquinas vão se tornando feras em fazer, nós, humanos, precisamos nos tornar muito melhores em ser.
As organizações têm um grande desafio na era do ESG, e isso tem a ver com o meu livro. A grande variável do jogo é a incoerência; as pessoas não querem ficar em empresas que falam uma coisa e não são aquilo.
O S [social] não é só da porta para fora. É importante olhar para o impacto que criamos com as nossas atividades, mas a principal missão é cuidar do seu time, das pessoas que compõem uma empresa. Porque o que é uma empresa? É um prédio? Uma universidade? Uma máquina? Um processo produtivo? Não, são as pessoas que fazem uma empresa. Algo que pode até parecer óbvio, mas às vezes precisa ser dito. E a área de pessoas vem evoluindo e fazendo cada vez mais parte do negócio. A partir do entendimento das necessidades do negócio, oferece as melhores soluções, traz as pessoas certas e prepara os profissionais para futuros que não sabemos exatamente como serão. Essa talvez seja a única coisa que não vai mudar em um mundo de mudanças constantes.
Quais agendas são mais importantes nesse sentido?
A gente poderia englobar três componentes nessa equação de pessoas: gente, liderança e cultura. Primeiro, que tipo de gente nós precisamos atrair para o nosso negócio? Que tenham brilho no olhar e vontade de aprender, o resto a gente ensina. Segundo, liderança não é cargo, é um serviço de impacto, de influência, de coragem. Eu gosto de ver o líder como uma cama elástica. Porque precisa dar propulsão para as pessoas irem além, mas também precisa acolher na queda e criar um ambiente seguro para as pessoas inovarem. E a cultura vem para materializar aquele jeito coletivo único de ser e de fazer. Talvez seja a única fonte de vantagem competitiva que nenhum concorrente pode copiar de uma empresa. E está se tornando cada vez mais estratégica porque faz o alinhamento dos comportamentos, sistemas e símbolos que precisam alavancar a estratégia. Esse alinhamento entre estratégia e cultura faz com que a empresa olhe para a sua essência e trabalhe nessa linha de coerência, sem precisar surfar nas modinhas.
F: Sua última posição na ArcelorMittal foi como Chief Future Officer. O que isso significa?
Eu era uma VP que englobava várias diretorias. Tinha diretoria da estratégia e ESG, de inovação, comunicação integrada, branding, cultura, diversidade, gerência de PMO, que fazia a tradução da estratégia dos principais indicadores da gestão de projetos, e investimento social. Eu estava presidente da Fundação ArcelorMittal durante os últimos oito anos. Todas essas pautas se criam em paralelo ao negócio.
Você se coloca como uma eterna aprendiz. Qual a importância disso para a liderança?
Quanto mais a gente aprende, mais a gente percebe o pouco que ainda sabemos. Tive oportunidades incríveis de fazer programas executivos renomados, mas o mais importante não é o curso. Muita gente está cheio de diplomas, mas não tem aprendizado. Aprendizado precisa de aplicação. Eu gosto de sonhar fazendo.
As qualidades que eu venho trabalhando como liderança consciente são essenciais independente do setor e da área e tem muita a ver com desafios contemporâneos na liderança. São elas: a humildade para aprender, para saber que a gente não sabe tudo, saber aceitar nossas limitações, pedir ajuda, estudar, correr atrás, jogar em time, se comprometer. E, por fim, a coragem de inovar. Coragem não é ausência de medo. É sabendo nossas limitações, se preparar para expandir e ir além.
A gestão tradicional, que já sabe de tudo e não abre espaço para o novo, normalmente chega e pergunta o que tem de orçamento e o que dá para fazer.
Já uma liderança que se propõe a criar futuros, transformar e aprender nesse processo chega para o time e pergunta “o que nós queremos?” e a segunda pergunta é “do que nós precisamos?”. O convite é para nunca subordinar objetivos a recursos. Porque os recursos são limitados por natureza, tempo, dinheiro e espaço, a gente administra, mas os objetivos nos conduzem para o futuro.
Por quais empresas passou
ArcelorMittal, como executiva.
ABRH-MG, FIEMG, Abertta Saúde, Una, Museu do Amanhã, Amcham Brasil, Ânima Educação e Fundação Dom Cabral, como membro do conselho.
Formação
Graduada em Administração de Empresas pela Universidade Austral (Argentina)
Master em Recursos Humanos pela Universidade de Léon (Espanha)
Finanças para Executivos pela Warthon School (USA)
Futurista pelo Institute for the Future (USA)
ESG na Sala de Conselho pela Fundação Dom Cabral (Brasil)
Primeiro emprego
Assistente de marketing no Shopping del Siglo, em Rosário (Argentina)
Primeiro cargo de liderança
Coordenadora do modelo de gestão da ArcelorMittal Aços Longos Europa
Tempo de carreira
25 anos