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A bolsa tinha tudo para decolar em 2024, mas a Selic estragou a festa

Ilustração: João Brito

O início do ciclo de flexibilização do Federal Reserve deveria ser o tão esperado catalisador de uma recuperação nas ações brasileiras. Em vez disso, as ações brasileiras estão entre os piores desempenhos do mundo.

O Santander Brasil previu no início do ano que o índice Ibovespa subiria quase 20% em 2024. Analistas do Bradesco BBI esperavam ganhos semelhantes. O Bank of America favoreceu o Brasil em detrimento do México em meio às previsões de desaceleração do crescimento nos EUA, enquanto o Banco Itaú BBA previu um ano notável, apoiado em valuations atraentes e no crescimento dos lucros.

No entanto, os “valuations” se aproximam do nível mais baixo em relação ao índice de referência de mercados emergentes em mais de uma década. A bolsa está atrás da maioria dos seus pares, prejudicada por um governo que alimenta o gasto fiscal, forçando o Banco Central a tomar uma postura agressiva para conter as expectativas de inflação.

Taxas de juro mais elevadas, com a Selic a 10,75%, afastam os investidores das ações e os aproximam de renda fixa local que prometem retornos de dois dígitos com pouco risco.

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“Taxas de juros mais altas no Brasil manterão os investidores locais afastados” do mercado de ações, disse Josh Rubin, gestor na Thornburg Investment Management. “Não há razão para comprar ações.”

O Ibovespa perdeu 2,7% este ano, entre os 10 piores desempenhos do mundo, mas as perdas são ainda maiores em termos de dólares: uma queda colossal de 17%. Isso ocorre mesmo com o índice MSCI Emerging Markets avançando 16% este ano considerando dividendos e o índice S&P 500 retornando mais de 22%.

A dinâmica do mercado deverá continuar, com traders apostando em pelo menos 2 pontos percentuais de aumentos adicionais da Selic no Brasil este ano, mesmo com previsão de que o Fed cortará pelo menos meio ponto. O Brasil é um dos únicos países do mundo em meio a um ciclo de aperto; a grande maioria dos seus pares globais está reduzindo as taxas de juros.

“As ações estão muito baratas e tem sido assim há muito tempo”, disse Nikolaj Lippmann, estrategista-chefe de ações para a América Latina do Morgan Stanley. “Provavelmente continuará assim até encontrarmos uma maneira de baixar as taxas de juros.”

O Ibovespa é negociado a 7,7 vezes o lucro estimado, em comparação com 12,2 x do indicador MSCI de ações de mercados emergentes. O desconto para as ações brasileiras atingiu o maior nível em pelo menos 10 anos em junho – ultrapassando 5,3 pontos – embora desde então tenha diminuído.

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Os investidores locais e os estrangeiros parecem igualmente pessimistas. Fundos brasileiros reduziram as suas alocações para 8,6%, proxímo do nível mais baixo em sete anos, de acordo com dados compilados pelo Bank of America. Entretanto, os estrangeiros retiraram R$ 1,6 bilhão do mercado de ações em setembro e outros R$ 2,06 bilhões até agora em outubro. As ações domésticas registraram saídas de capital estrangeiro em oito dos dez meses deste ano.

“O investidor estrangeiro fica cansado da volatilidade e o Brasil virou um grande casino”, disse Daniela Da Costa-Bulthuis, gestora baseada em Roterdã que ajuda a supervisionar 200 bilhões de euros na Robeco Institutional Asset Management. “A política econômica não é consistente e o mercado é muito arriscado e orientado para o curto prazo.”

Para aumentar o clima sombrio, o que teria sido a primeira oferta pública inicial do Brasil em três anos fracassou este mês, depois que a Moove, uma subsidiária da holding Cosan, cancelou a venda, citando “condições de mercado adversas”.

É uma mudança frustrante para analistas e estrategistas que estavam otimistas em relação ao Brasil no início do ano, prevendo que os cortes nas taxas do Fed atrairiam investidores para os mercados emergentes em busca de retornos mais elevados. Mas desde que o Fed começou a flexibilizar a política monetária em setembro, as ações brasileiras ficaram para trás. O Ibovespa caiu 2,4% desde o primeiro corte do Fed, em comparação com um avanço de 6,2% para o índice de referência dos mercados emergentes.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem feito muito para aumentar a confiança dos investidores. A administração aumentou gastos e posterga revisões orçamentais que reforçariam a posição fiscal do país. Os gastos excessivos aumentaram o déficit para o equivalente a cerca de 10% do PIB e alimentaram a inflação que os analistas prevêem que excederá a meta de 3% do Banco Central até 2027.

No Santander, o otimismo em relação às ações brasileiras permanece. Aline Cardoso, chefe de pesquisa de ações para Brasil, disse que o estímulo da China e a queda das taxas de juros nos EUA deverão eventualmente impulsionar o mercado interno. Essa recuperação depende de o governo evitar a “ruptura fiscal” e ao mesmo tempo adotar medidas que desacelerem os gastos, disse ela no início de outubro.

Em meio ao pessimismo, os investidores têm abandonado ações e fundos multimercados e passaram a investir em renda fixa. A taxa CDI retornou 8,6% este ano.

Ben Laidler, chefe de estratégia de ações do Bradesco BBI, estava entre os otimistas no início do ano, quando o seu banco previu que o Ibovespa terminaria dezembro em 157.000 pontos — o índice está perto de 130.500 pontos agora. Ele ainda diz que o Brasil tem boas empresas com crescimento de lucros e valuations atrativos.

Mas, no final das contas, as altas taxas de juros travam o mercado de ações.

“O fato de o Brasil ser a única grande economia do planeta aumentando as taxas de juros impede as pessoas de comprar”, disse ele. A política fiscal do governo “faz com que as taxas de juros subam. Se você tirar isso, acho que o dinheiro entra no Brasil rapidamente.”

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